sábado, 14 de julho de 2018

Projeto João e Maria – contar história, um recurso pedagógico

A função do conto de fadas esta ativa no domínio da inteligência e coopera para a evolução do pensamento e de todas as funções mentais superiores. A estrutura da narrativa dos contos auxilia na formatação mental da estrutura do discurso pessoal e seu conteúdo simbólico projeta, através do imaginário da criança, um espelhamento dos conteúdos inconscientes de seu universo. Desta forma, os contos são auxiliares na formação do caráter e na transformação pessoal do indivíduo. Através dos contos, conteúdos pedagógicos podem ser assimilados de forma criativa, estimulando a criatividade e a construção do conhecimento acadêmico de forma dinâmica.

Ser educador, nos dias de hoje, é um desafio.
Mais que isso, é um caminho pedregoso e longo, onde, mais que conhecimento, necessita-se de criatividade.
Atônitos diante das patologias socioculturais que dominam nossa estrutura educacional, como reflexo da deterioração de nossos parâmetros de identidade e autoridade, os educadores  sentem-se obrigados a atuar nas diversas áreas terapêuticas para estabelecer, da melhor forma possível, que o alcance de suas formações acadêmicas lhes permitem, o desenvolvimento afetivo-emocional-cultural que nossos educandos necessitam.
Em meio a esta crise de valores, várias técnicas vem sendo desenvolvidas para atuar como coadjuvantes no trabalho educacional.
A biblioterapia é uma delas. Através dos contos de fadas podemos alcançar transformações, não só pessoais, mas estruturais que se tornam facilitadoras do processo de aprendizagem. Pode-se estabelecer relações mútuas de confiança, entre educador e educando, sem contudo, expor o aluno à situações emocionalmente desgastantes. Resgata-se valores, reconstrói-se a individualidade, o “quem sou”, “para onde irei”, “que caminhos seguir”.
A arte fortalece o aprendizado…
Esperamos estar contribuindo para a formação da cidadania com ética e moralidade, sem pieguices, mas certos de estabelecer novos paradigmas que possam caracterizar um novo educador para um novo educando viver numa nova sociedade.
Esperamos, ainda, que eles, educandos e educadores, possam reconhecer que o “papel mágico da arte foi progressivamente cedendo lugar ao papel de clarificação das relações sociais, ao papel de iluminação dos homens em sociedades que se tornavam opacas, ao papel de ajudar o homem a reconhecer e transformar a realidade social”, e que ainda, associadas aos contos de fadas, sua “tarefa principal é a de restaurar um significado na vida”, para que ambos possam seguir em diferentes caminhos conscientes destas transformações.

Contos de Fada – Trabalhando Crianças

A função do conto de fada não se limita, apenas, ao mundo da imaginação, das emoções e da sensibilidade. Ele aparece ativo também no domínio da inteligência e coopera para a evolução do pensamento e de todas as funções mentais superiores.
Utiliza-se histórias porque implica na invenção tão comum às crianças.
Ostrower diferencia criação e invenção: “toda criação é uma invenção, mas nem toda invenção é uma criação, porque a criação transcende a invenção, porque o indivíduo une a porção sensível com sua porção inteligível, através do ato criativo”.
Através da criação o indivíduo consegue se transformar porque, por e na criação ele consegue estar todo o tempo buscando a transformação interior.
Na arteterapia visa a criação inventiva não por uma mistura de tintas, tornando-se uma experiência da ordem do sensível, onde o indivíduo destaca os pontos do trabalho pela sensibilidade. as crianças inventam para serem inseridas no contexto social, imitando modelos, experimentando-os através da repetição inventiva, onde ela reconta, utilizando partes do que lhes tocou através do canal amoroso, já iniciando o caminho da criatividade.
Os mitos e contos de fada e lendas e invenções de histórias devem ser pertinentes à faixa etária e ao conteúdo da história, associadas às técnicas e materiais adequados.
Qualquer criança gosta de ouvir o contar de histórias. toda vez que uma criança conta ou repete uma historia ela esta falando de uma projeção de si mesma, inconsciente.
A forma como a criança encerra a história determina a forma como ela resolve seus conflitos internos e a quantidade de energia disponível para resolver estas questões. Aí é que sabemos se é um delírio ou um ato de criatividade que pode vir a se concretizar. Cada personagem da história, mesmo as não utilizadas são parte dela. Só que naquele momento o conteúdo não esta maduro para emergir na consciência, porém, esta próximo dela. Se utilizar todos os personagens deve-se analisar se é uma incapacidade de fazer seleções por uma confusão interna ou se ela quer nos confundir apenas.
Mesmo que os personagens sejam antagônicos ela mostra o que esta em conflito dentro dela.
Quando se conhece a criança e sua história pode-se recontar a historia que ela fez mudando o final, ou se pode tomar um personagem para si, atuando sempre a partir da fala da criança . quando solicitamos um novo final estamos fazendo com que ele a encontre uma solução.
Quando finalizamos estamos dando novas visões e possibilidade que ela não percebeu. Neste caso, só.

Diferenças de estruturas de narrativas

FÁBULA  relato ou história, tendo como personagens animais (objetos, pessoas) personificados, encerrando-se com uma lição de moral ou com conselhos sobre modos de agir.
CONTO- história curta de fatos reais ou imaginários.
LENDAS- narrativa oral ou escrita, popular, que conta fatos históricos ou imaginários, de maneira fantasiosa.

Estrutura dos Contos

Fruto da sua origem oral, estes contos têm quase sempre uma estrutura muito simples e fixa. As próprias fórmulas inicial (“Era uma vez…”) e final (“…e foram felizes para sempre.”) revelam isso. Essa estrutura pode ser traduzida da seguinte forma:
  • ordem existente — situação inicial;
  • ordem perturbada — a situação de equilíbrio inicial é destruída, o que dá origem a uma série de peripécias que só se interrompem com o aparecimento de uma força retificadora;
  • ordem restabelecida.
A fórmula inicial (“Era uma vez…” ou outra equivalente) remete para o passado e, desse modo, funciona como um sinal de que se vai passar do mundo real para um mundo irreal, o mundo da fantasia, onde tudo é possível. Esse mergulho no imaginário termina com a fórmula final: “…e viveram felizes para sempre.”
Ao longo do conto as indicações de natureza temporal são sempre limitadas e vagas, não permitindo determinar com rigor a duração da ação ou a localização num contexto histórico preciso. O mesmo acontece relativamente ao espaço: um palácio, uma casa, uma fonte, uma floresta…
Na verdade, as vagas referências espaciais e temporais aparecem apenas porque são uma exigência da narrativa, visto que nada acontece fora do tempo e do espaço. Não é o onde nem o quando que interessa, mas sim o que acontece, a ação. As próprias personagens são um mero suporte da ação, daí a sua caracterização estereotipada.
A conjugação dessas características (personagens estereotipadas e espaço e tempo indeterminados) concede às histórias um caráter atemporal e universal, que permite a sua atualização permanente: é algo que poderia acontecer em qualquer tempo e em qualquer lugar.

Contos com Temas Psicossociais

O trabalho com Contos pode ser desenvolvido com pessoas de todas as idades que apresentem interesse para se integrarem através da dinâmica das artes com os Contos de Fada por possuírem pontos que integram a sua estrutura e que são encontrados no desenvolvimento do indivíduo em seu processo de constituição do Self, que são:
  • “Era uma vez…”, que significa o rito de entrada na magia, levando a um lugar fora do tempo e do espaço.
  • Os personagens (homens ou mulheres), traduzem as energias feminina (ânima, presente no homem) e masculina (ânimus, presente na mulher).
  • O elemento que falta ao herói ou à heroina no processo de Individuação, quando ele(a) sai de casa, do âmbito familiar em sua busca.
  • Apresentação do problema do conto: a crise.
  • Símbolos do Self, são os elementos mágicos ou pessoas com poderes mágicos com quem o herói ou a heroina se encontra.
  • Final, quando o herói ou heroina encontra a solução. É o famoso “e foram felizes para sempre.”
  • Chapeuzinho Vermelho
  • Baba Yaga
  • Edemengarda
  • Peter Pan

Contos com Conteúdos Pedagógicos

Vigotski afirma que “o conto ajuda a explicar complexas relações praticas: suas imagens iluminam o problema vital e o que não podia fazer a fria prosa fê-lo o conto com sua linguagem figurada e emocional”.
Permitir à criança entender seus sentimento e reestruturá-los é uma forma de favorecer o aprendizado dos elementos lingüísticos e favorecer seu amadurecimento tornando-a, mais tarde, um adulto capaz de revalidar situações de risco emocional, proporcionando, desta forma, o contato com a realidade facilitando a construção dos saberes e permitindo sua apreensão.
  • Geografia : Romeu e Julieta, Peter Pan…
  • Ciências : As Estrelas no Céu
  • Matemática: Malba Tahan
  • História: Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda
  • Português: qualquer conto
  • Inglês: Sonhos de uma Noite de Verão
  • Ética: João mata 7; João e o pé de feijão.

Apresentação de Projeto Terapêutico

Conto utilizado: João e Maria – de Hans Christian Andersen
Público Alvo: alunos na faixa etária de 10 à 17 anos, portadores de necessidades educacionais especiais. (neste caso, o projeto foi desenvolvido na APAE-Rio no ano de 2005)

Conteúdos pedagógicos: geografia, ciências, português, matemática.

Temas transversais trabalhados: companheirismo, solidariedade, compaixão, coragem, valentia.
O conto  narra a aventura de dois irmãos que enfrentam os perigos da floresta e são submetidos às maldades de uma velha senhora que mora sozinha e que utiliza sua casa de doces como argumento sedutor para aprisioná-los. Vencidos pelo medo e pela fome, os irmãos se deixam prender pela velha e são obrigados, Maria a servir de escrava e João a um regime de engorda para saciar a fome da velha. Os irmãos buscam coragem e valentia para enfrentar a perversidade e após vencerem, são recompensados e podem finalmente encontrar o caminho de casa.

Justificativa do tema

Originariamente compilada pelos irmãos Grimm, com o nome de Hazel e Gretel, a conhecida história de João e Maria possui várias outras versões, também alteradas pelo cunho religioso característico dos autores que compilaram as lendas populares transformando-as nos contos de fadas como conhecemos.
João e Maria é um mais um rito de passagem dos vários que se apresentam através dos contos e, novamente, a alusão ao alimento se faz presente.
Neste, em especial, temos a história de dois irmãos que, abandonados na floresta pelo pai – que fora influenciado pela “má-drasta” – precisam encontrar o caminho de volta para casa e deparam-se com as dificuldades e os perigos da sedução do mundo externo.
Podemos interpretar o encontro da “Casa de Doces” como as seduções e ilusões oferecidas pela vida aos adolescentes que saem em busca da felicidade, pelo mundo.
A bruxa é a imagem da mãe má, que impõe castigos e restrições, bem como a “difícil” vida do adolescente que não consegue identificar em que estágio de vida se encontra: não ser mais criança, mas ainda não ter se tornado adulto.
Na história original, além de libertar João, Maria tem a idéia de ludibriar a velha e jogá-la no forno. O fogo que queima para oferecer nova vida.
Depois de aprendida a lição, o encontro do tesouro que “salva” a família da fome e da miséria (onde podemos subentender a falta de sabedoria e amadurecimento) e permite a João e Maria encontrarem o caminho de volta à casa, onde a madrasta não mais existe, apenas o pai culpado e arrependido.

Desenvolvimento das Atividades.

O primeiro momento foi a contação da história de João e Maria com a contadora caracterizada na “bruxa”.
Após a atividade, cada profissional envolvido trabalhou sua área.
A Psicologia trabalhou os temas gerados pelo abandono, pela violência doméstica, pela falta de segurança e pela necessidade de procura de sustento pelas famílias dos alunos envolvidos. O tema é bastante comum na escola, uma vez que a maior parte dos alunos envolvidos no projeto são moradores de área de risco social (favelas) e já estiveram envolvidos ou alguns de seus familiares em situações de perda de vida ou do lar.
A Arte-educação trabalho, além dos símbolos projetados em atividades plásticas, os temas educacionais de artes – formas geométricas, cores, perspectiva.
A Pedagogia junto com a professora regente da classe trabalharam os conteúdos pedagógicos: matemática, ciências, geografia, português. Bem como a produção escrita, individual, pelos alunos, e verbal em grupo, recontando a história, oferecendo um novo final.
A Musicoterapia fez um trabalho de corpo coma utilização do tema “João e Maria” de Chico Buarque e Sivuca.
A Fonoaudiologia buscou a organização do pensamento e a construção do discurso à partir da re-contagem da história.
A culminância ocorreu, então, com a escolha do símbolo, pelo grupo, que melhor representasse o0s sentimentos coletivos. O símbolo em questão foi a escolha da Casa de Doces.
Assim, a Terapia Ocupacional junto com a Cozinha Experimental e a Pedagogia, confeccionaram um bolo recheado, e cada aluno participou com a compra de cobertura, para a construção da casa. Foram utilizados biscoitos de várias formas e sabores, confeitos de chocolate e barra de chocolate para cobertura das “paredes da casa”.

Referências Bibliográficas

  1. CASCUDO, Câmara; Contos Tradicionais do Brasil. Ediouro, RJ, 1999. Coleção Terra Brasilis.
  2. ESTÉS, C. P. Mulheres que Correm com os Lobos. Editora Rocco. RJ. 1994. Coleção Arco do Tempo
  3. BETTELHEIM, B. A psicanálise dos Contos de Fadas. Editora Paz e Terra. RJ. 1980.
  4. PIGNATARI, D. Informação, Linguagem, Comunicação. Editora Cultrix. SP. 1989
  5. LEAL, José Carlos. O Universo do Mito. Mahatma Gandhi Espaço Cultural. RJ. 1996.
  6. FRANZ, M. L. Interpretação dos Contos de Fadas. Achimé. RJ. 1981.
  7. O ROSACRUZ, n.º 241. 3º trimestre 2002. O Poder da Palavra. Pág. 28. Université Rose-Croix Internationale. França. Ordem Rosacruz. AMORC. Curitiba.

Para saber mais

  • BRANCO, S e MEDEIROS, A. Contos de Fada – vivencia e técnicas em arteterapia. WAK Editora. 2008. RJ
  • BRANCO, S. Deuses e Fadas – arteterapia e arquétipos no dia a dia. WAK Editora. 2010. RJ

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