Quando o objetivo de uma conversa é agredir o outro e não se entender, é bom os filhos não estarem por perto. E existem três grandes razões para isso. A primeira delas é que crianças menores de cinco anos são egocêntricas. Acreditam que tudo o que acontece tem a ver com elas. "Quando os pais brigam na sua frente, mesmo que não tenha nada a ver com ela, a criança acha que é a culpada. Ela cria uma culpa em seu imaginário e acredita que a desarmonia da casa acontece por sua causa", explica Rita Calegari, psicóloga do Hospital São Camilo Pompeia, em São Paulo. E isso acontece mesmo com as bem pequenas, que sentem o clima ruim e ficam angustiadas. É preciso mudar a energia do casal para ela ter a sensação de amor e segurança de volta. Para as que já entendem um pouco, é necessário explicações. Quando o assunto não é conversado - ou é mal conversado -, o resultado é uma criança culpada, um verdadeiro estrago em sua autoestima em construção.
O segundo motivo: crianças com menos de 3 anos não entendem o que é
ironia. E por que isso é um problema? Porque as discussões raramente
começam explosivas. Geralmente são dois adultos conversando, que começam
a trocar farpas, com direito até a algumas risadas. Em determinado
momento, um dos dois perde a paciência e explode. Do ponto de vista
infantil, não há como entender por que duas pessoas que conversam (ela
não capta que já estão discutindo) de repente começam a gritar e chorar.
Fica a referência de que os diálogos dos pais sempre terminarão em
gritos e isso gera o sentimento de instabilidade. Ela começa a
desconfiar dos adultos, já que não sabe como eles irão reagir. A criança
passa a ter um sentimento de impotência e insegurança. Ama os pais,
sabe que precisa deles e, quando assiste às brigas, fica com a sensação
de que as relações são muito frágeis. Para piorar, dependendo da idade,
ela pode até tentar entrar na discussão e muitas vezes, no calor da
raiva, o adulto pede para ela se calar, não vendo que o objetivo é
apenas proteger a unidade familiar. Além disso, muitas vezes o filho
pensa que deve sair em defesa de um dos pais, o que causa bastante
sofrimento.
Por último, é sempre bom lembrar que os pais servem como uma
referência. Eles são os tradutores da vida. A criança vai imitá-los,
tentando resolver seus problemas com outras crianças também com gritos e
choro. Pode acabar repetindo os mesmos padrões de hostilidade em suas
relações sociais.
O que fazer depois que uma discussão acontece.
Pronto, vocês perderam a cabeça e acabaram discutindo na frente das
crianças. Tão importante quanto tentar não repetir o ato é agir da forma
correta depois que ele aconteceu. Não dá para os dois gritarem, baterem
a porta, saírem dirigindo pela cidade ou se trancarem no quarto. Um dos
pais - quem estiver mais calmo, claro - deve conversar com a criança,
explicar o que aconteceu e aliviar sua culpa imaginária. Não precisa
pedir desculpas. Basta explicar que isso faz parte das relações
familiares. Faça isso mesmo que sejam três dias depois, mas não deixe
passar em branco. "É necessário assegurá-la, explicando que adultos se
desentendem, mesmo quando se gostam muito, e que eles vão se resolver e
não precisam que a criança se preocupe com isso. O filho pode fazer
perguntas, demonstrar tensão. Fique ao seu lado, mas evite pedir ajuda
ou trazê-lo para o seu lado", explica a psicóloga Daniela da Rocha Paes
Peres. E escute a criança. Deixe-a desabafar, tirar dúvidas, criar
teorias sobre o ocorrido. O importante é sempre mostrar que está tudo
bem ou caminhando para ficar. É importante fazer isso mesmo quando se
trata de uma criança de 2, 3 anos, que parece não entender nada. Adapte a
explicação com palavras que ela entenda e demonstre o seu carinho para
ela se sentir segura.
Quando as discussões ocorrem com certa frequência, a criança pode ser
mais afetada e apresentar mudanças físicas e emocionais, como falta de
apetite, sono difícil, humor irritadiço e dificuldades de relacionamento
com outras crianças. É importante conversar com ela, explicar, de forma
coerente a sua idade, que o casamento passa por ajustes e essas
discussões são para arrumá-lo. Em casos mais sérios, o melhor é
consultar um especialista para ajudar vocês.
Cuidado com as crianças que não perguntam nada. Pode-se achar que
elas nem prestaram atenção na briga ou simplesmente não ligaram para o
que assistiram. O fato de ficarem quietas não significa que não estão
assustadas. Elas podem estar em pânico e nem conseguir se expressar. Não
deixe uma discussão sem explicação mesmo que o filho não se manifeste.
O lado bom das discussões.
Discutir nem sempre é brigar. Assistir a uma conversa em que os
adultos usam um tom relativamente normal, expõem seus argumentos e
trocam ideias para chegar a um acordo pode ser saudável e educativo para
a criança. Ela aprenderá como é importante defender suas opiniões,
sempre de forma gentil e educada. Também saberá que o pai pode ter uma
posição sobre determinado assunto, a mãe outra e ele poderá ter outra
ainda. E tudo bem. Com o tempo, vai desenvolver sua capacidade de
argumentação, de raciocínio, de crítica e de lógica. E também saberá ser
mais tolerante e aceitar o ponto de vista do outro.
Nunca ver uma discussão saudável entre os pais cria um ambiente que
não é verdadeiro. A criança não aprende que pode lutar por suas ideias.
Não saberá como funciona uma discussão - lembre-se de que ela aprende
por imitação. Ou, o que pode ser pior: se um dos pais, para manter a paz
familiar, decide simplesmente acatar a opinião do outro sem discutir ou
dar vazão aos seus sentimentos, isso também ensina algo que não é
legal. A criança corre o risco de fazer o mesmo no futuro, achando que o
correto é esconder o que sente para evitar discussões.
Mas atenção! Quando o assunto é a criança, como questões referentes à
sua educação ou ao comportamento, jamais o faça na frente dela, mesmo
que a forma de discussão seja saudável. "Isso fragiliza o modelo
parental. As divergências devem ser sanadas e, posteriormente, deve ser
informada aos filhos qual a posição dos pais como uma unidade. Isso faz
com que exista uma consistência e passa para a criança a ideia de
unidade, segurança", explica Ricardo Halpern, pediatra e presidente do
Departamento de Saúde Mental da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Como agir quando a discussão é mais violenta.
Brigas mais sérias, envolvendo palavrões e até atos de violência,
podem acontecer. Nesse caso, a situação merece uma atenção ainda mais
especial. "Quando a discussão for muito agressiva, destemperada, com
palavrões e às vezes com atos violentos, é importante conversar com a
criança num momento mais calmo, explicando que o que aconteceu não é
normal, nem natural, nem desejável, mas às vezes acontece. E vale a
regra de explicar que ela não precisa se preocupar nem procurar ajudar,
pois os adultos vão resolver entre eles", avisa a psicóloga Daniela. Mas
realmente aguarde vocês se acalmarem. Em um primeiro momento, apenas a
tire da cena, explicando que está tudo bem, que vocês apenas perderam a
calma e que mais tarde vocês irão conversar. Durante esse tempo,
mantenha-a fazendo algo de que goste. Vale até pedir a ajuda discreta de
um amigo ou parente, enquanto os adultos resolvem a situação.
Quando você briga com os seus pais na frente dos seus filhos.
Trata-se de uma situação bastante complicada, pois, além de
presenciar uma discussão do tipo não saudável, ela envolve pais e avós e
serve de exemplo direto de como papai e mamãe tratam os próprios pais.
Como exigir respeito do seu filho se você acaba de demonstrar que não
respeita os seus pais? "O efeito sobre a criança é perverso. Ela vê que
os próprios pais não conseguiram ter uma relação equilibrada e adulta
com seus genitores, o que abala a crença de que os conflitos que vivem
serão sanados com a maturidade", diz a psicóloga Daniela. O melhor é
sempre dizer a verdade de forma coerente com a idade da criança. É o
momento de explicar que as relações podem ser diferentes, mostrar que
você e sua mãe, por exemplo, ainda estão tentando encontrar um caminho
bacana para conversar e que o aconteceu não foi legal, mas pode ocorrer.
Mostre que muitos sentimentos serão mais bem entendidos e administrados
quando se torna adulto, mas que é normal adultos, inclusive pais e
filhos, ainda precisarem discutir para chegar à boa convivência. Não
faça muitos dramas e aprenda a separar sua relação com os seus pais da
relação deles como avôs. Isso significa que, mesmo se entendendo mal ou
discutindo, seus filhos irão ver e passear com os avôs. A relação é
outra.
(Daniela da Rocha Paes Peres, psicóloga; Ricardo Halpern, pediatra e
Presidente do Departamento de Saúde Mental da Sociedade Brasileira de
Pediatria; Rita Calegari, psicóloga do Hospital São Camilo Pompeia) Fonte: Bebe.com.br
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