Quando pensamos em situações clínicas como a dislexia, que é uma dificuldade restrita na leitura e na escrita, muitas vezes nos deparamos com situações em que as crianças disléxicas são consideradas preguiçosas, "menos inteligentes" etc. E isso não poderia estar mais longe da verdade.
Talvez uma das coisas mais importantes que devemos reconhecer é: O quanto é difícil ler e escrever. O cérebro passou por milênios de evolução até chegarmos aos dias de hoje, conseguindo ler e escrever.
As idéias que eu escrevo agora bem como os esquemas (perdoem a qualidade dos meus desenhos) foram extraídos de pensamentos da pesquisadora Maryanne Wolf e de seu brilhante livro: Proust and the Squid: The Story and Science of the Reading Brain. 1ª edição: Harper/Perennial. Que não me canso de ler.
Talvez a primeira forma de "leitura" tenha acontecido há oito ou 10 mil anos atrás, quando nossos ancestrais aprenderam a reconhecer representações de predadores ou de outros animais. Esse reconhecimento de representações, como pegadas é feito por áreas visuais. (Figura I). Acontece que apenas reconhecer não bastava, era fundamental que as imagens reconhecidas pela área visual fossem ligadas a informações e conceitos sobre o que era visto. "Imaginem ver uma pegada na porta de casa? Será que é do meu cão de estimação? Será que é de algum predador? (Figura I). E assim, desenvolveu-se a área visual associativa. Essa talvez tenha sido a nossa primeira "leitura"
Passando essa informação a gerações futuras, nossos antepassados passaram o conhecimento de um grande repertório de símbolos. O cérebro estava, assim preparado para LER.
Milênios se passaram e as línguas mais antigas foram criadas. Línguas como o egípcio ou o chinês (de quem sou orgulhosamente descendente). Línguas essas que se baseavam no reconhecimento de milhares de símbolos (Figura II) para representar diferentes "ideias". Assim, chamamos esses símbolos de ideogramas. Coloquei o ideograma "Eu" para que o leitor possa ter uma ideia. Isso exigia do nosso cérebro um grande desenvolvimento de áreas relacionadas à memória, e isso faz sentido, imagine lembrar de 5 a 10 mil símbolos diferentes para ler um pequeno texto. Pouco eficiente não?
Assim desenvolvemos nosso cérebro para a leitura alfabética. Nosso cérebro maravilhoso criou uma forma eficiente, rápida e de compreensão fluente e que reduziu o número de símbolos para 26. Isso permitiu o desenvolvimento de novas áreas cerebrais, áreas relacionadas à organização espacial, a novas formas de pensar (FiguraIII).
Pode ser que alterações no desenvolvimento de áreas cerebrais envolvidas na leitura, no reconhecimento de símbolos, na organização espacial estejam envolvidas na origem da dislexia? Pode ser.
O que eu tenho certeza é: Ler é uma atividade extremamente complexa e exigiu milênios de evolução para chegarmos até onde chegamos. E mais, hoje, nossos cérebros passam por milênios de evolução em menos de 7 anos (nascemos e aprendemos a ler por volta dos sete anos de idade certo?).
Acredito que podemos auxiliar nesse desenvolvimento: A partir dos seis meses de idade, quando nossas crianças aprendem a sentar, podemos ler para elas, contar histórias, mostrá-las que animais diferentes têm nomes diferentes, fazem sons diferentes (lembram das áreas visuais e áreas associativas?). Mais para a frente, podemos fazer "jogos com rimas", mostrá-las que palavras diferentes podem ter sons semelhantes. Estudos mostram que crianças cujos pais liam para elas regularmente, tiveram desempenhos melhores no aprendizado da leitura e escrita.
Finalmente, temos que ler, ler muito, dar o exemplo. Criar o hábito da leitura.
Referências:
Maryanne Wolf. Proust and the Squid: The Story and Science of the Reading Brain. 1ª edição: Harper/Perennial.
Retirado do site:http://jaimelin.com.br/saiba-mais-o-cerebro-e-a-leitura/
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