segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

O Papel do Fonoaudiólogo ou Psicopedagogo e da Escola na Dislexia

O objetivo deste trabalho é caracterizar este Transtorno Severo de Aprendizagem, partir da análise de um caso típico de Dislexia e indicar o papel do psicopedagogo/fonoaudiólogo e da escola no agenciamento desta problemática.
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Para o melhor entendimento da concepção de dislexia aqui abordada, vamos começar estabelecendo uma classificação para os alunos que apresentam problemas escolares:
  • Dificuldades de aprendizagem que podem ser de percurso, evolutivas, transitórias e dificuldades secundárias a outras patologias (deficiência mental, sensorial, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, transtornos emocionais, neurológicos, etc).
  • Transtornos de aprendizagem, descritos pelos manuais de diagnóstico (DSM – IV e CID-10). Nestes últimos, são descritos os especificadores de gravidade e curso: os leves, moderados e os severos. Os severos, que persistem até a vida adulta, recebem a denominação de dislexia evolutiva ou de desenvolvimento.
O que nos faz diferenciar esses 3 níveis? Não é fácil estabelecer um ponto de corte. Podemos dizer que a característica principal do transtorno severo é a gravidade dos sintomas (na ausência de outros estressores) e sua persistência (embora atenuada) ao longo da vida (apesar de tratamento adequado).
Para caracterizar os disléxicos, vamos iniciar a reflexão pelos já conhecidos critérios por exclusão:
  • não são portadores de problemas psíquicos ou neurológicos graves;
  • não apresentam deficiência intelectual ou sensorial;
  • não trocaram de escola (língua materna) mais de 2 vezes nos três primeiros anos escolares e não faltaram mais de 10% de aulas nessa época.
A partir daí, e com base fundamentalmente em Sanchez e Rueda, é possível dizer que a dislexia evolutiva possui a seguinte caracterização:
1) É um transtorno específico nas operações envolvidas no reconhecimento das palavras que compromete, em maior ou menor grau, a compreensão da leitura
O comprometimento deve ter um grau clinicamente significativo, medido por testes padronizados, apropriados à cultura e ao sistema educacional. Os disléxicos estão atrasados na leitura e na escrita, em relação a seus pares, no mínimo dois anos, se a criança tem mais de 10 anos, e um ano e meio, se tem menos dessa idade. Sendo assim, até o final de 2ª série ou início de 3ª, não se pode fazer diagnóstico de dislexia.
2) É um problema persistente
O que caracteriza os disléxicos é a persistência do problema (com atenuações) até a vida adulta. Os disléxicos podem chegar até a universidade, mas isto exige um considerável esforço próprio. Margie Bruck (1990), num estudo comparativo entre disléxicos universitários e alunos de 6 a série, constatou que os disléxicos são mais lentos para ler palavras e pseudo palavras, beneficiando-se mais do contexto ao ler. Os alunos de 6ª série evidenciam rapidez igual para leitura de palavras isoladas e em contexto. Os disléxicos não automatizam plenamente as operações relacionadas ao reconhecimento de palavras, empregando mais tempo e energia em tarefas de leitura. Ou seja, os sujeitos normais automatizam o reconhecimento das palavras, e os disléxicos não.
3) Representa o extremo de um contínuo com a população normal
Os disléxicos não diferem qualitativamente dos sujeitos normo-leitores. Há uma continuidade entre ambos os grupos. Segundo Ellis, 1984 a dislexia mais adequadamente comparada com a obesidade em que há graus, do que com o sarampo, que é algo que uma pessoa tem ou não.
4) Afeta um subconjunto, claramente minoritário, dos alunos com problemas na aprendizagem da leitura e da escrita
Não há dados estatísticos que estabeleçam a percentagem da dislexia conforme a classificação exposta aqui, de um transtorno severo de aprendizagem. Segundo Sanchez, não mais do que 3 % dos portadores de dificuldades de aprendizagem.
5) É diagnosticada em indivíduos com capacidade intelectual normal
A maioria dos autores estabelece o nível acima de 85 na escala WISC para o diagnóstico da dislexia, uma vez que um QI abaixo dessa cifra poderia determinar as dificuldades nas habilidades nucleares da leitura, particularmente na compreensão. Sanchez afirma que Q.I. e leitura são duas variáveis que se correlacionam , embora esta correlação esteja longe de parecer perfeita, se considerarmos apenas o reconhecimento de palavras. Como exemplo, estão os hiperléxicos que, apesar de não serem inteligentes, conseguem reconhecer palavras com precisão e rapidez.
6) Possui uma moderada evidência de origem genética (Rack e Olson, 1993)
Os dados proporcionados pelo Projeto Colorado, que estudou a incidência de problemas de leitura em gêmeos monozigóticos e gêmeos dizigóticos parecem justificar a existência de uma moderada influência genética nas habilidades implicadas no reconhecimento de palavras. Em estudos genéticos em famílias com importante número de disléxicos encontraram dois marcadores: Smith (1983) no cromossoma 15 e Cardon (1994) no cromossoma 6.
Segundo Grigorenko (1997) o fenótipo de dislexia ligada a uma discapacidade para a leitura global da palavra se relacionaria com a alteração do cromossoma 15, enquanto que a disfunção fonológica estaria ligada ao cromossoma 6. Galaburda (1985) em seus estudos anatômicos demonstrou uma simetria no planum temporale como suporte anatômico da dislexia. . Um grande número de estudos neurológicos na dislexia deverão ser feitos antes de que possa emergir uma idéia clara sobre a abrangência do susbtrato neuroanatômico. Por outro lado, em alguns casos de dislexia evolutiva, não existe evidência alguma de antecedentes familiares que possam sugerir uma influência genética.
7) Requer um tratamento que envolve um processo lento, laborioso, sujeito a recaídas e, fundamentalmente, um trabalho com a família e a escola.
Os dados de estudos longitudinais de sujeitos reabilitados (Rueda e Sanchez, 1994) mostram a necessidade de trabalho constante com as habilidades nucleares envolvidas na leitura.
8) Requer uma equipe multidisciplinar para seu diagnóstico e tratamento.
A equipe que trabalha com o disléxico, sejam neurologistas, fonoaudiólogos, psicopedagogos, psicólogos tem que ter uma formação específica nesta área, complementando um sólido conhecimento teórico com uma prática refletida sobre este tema.
O Papel do Psicopedagogo ou Fonoaudiólogo e da Escola
A intervenção do psicopedagogo ou fonoaudiólogo vai variar conforme o tipo de dislexia: fonológica, lexical ou mista.
Sanchez fala de dois tipos de intervenção. O primeiro, mais global, dirige-se à pessoa do disléxico e visa a três objetivos:
1º) Levar o disléxico a reencontrar-se consigo mesmo. Através de mudanças no sistema motivacional, favorecer um controle emocional durante a leitura e auxiliar para que tenha uma boa imagem de si mesmo e consiga conviver com as dificuldades.
2º) Possibilitar ao disléxico o reencontro com a leitura. Partindo de textos curtos, interessantes e lidos de forma conjunta, possibilitar que a leitura desperte, no disléxico, sentimentos positivos.
3º) Criar redes com a escola e a família. O 2º tipo de intervenção dirige-se aos déficits específicos do disléxico, auxiliando a melhorar a capacidade para operar com as regras que relacionam fonologia – ortografia e trabalhando a compreensão de textos.
Vamos analisar o papel do psicopedagogo ou fonoaudiólogo e da escola, reportando-nos ao caso da Deise, uma menina, aos 15 anos e 9 meses, cursando o 2º grau, cuja dislexia foi diagnosticada aos 9 anos e 5 meses, quando a escola ia reprová-la novamente na 2ª série. ‘ Daise foi encaminhada por uma psicóloga que atendia uma tia da menina. Esta sensível psicóloga suspeitou que a menina tivesse dislexia pelas dificuldades enfrentadas pela menina na alfabetização. A testagem psicológica (WISC) evidenciou adequadas condições intelectuais. Encaminhou à neuropediatra que encontrou “quadro compatível com dislexia” Sugeriu avaliação psicopedagógica para confirmação do diagnóstico. Daise cursou a 1ª série em 1993 e passou para a 2ª “pois estava quase no estalo”. Teve aulas de reforço na escola mas foi reprovada ao final do ano. Enquanto repetia a 2ª série, iniciou tratamento psicopedagógico (de orientação psicológica) em março de 95 que durou todo o ano.
Conforme relato pessoal da psicopedagoga, ela acreditava que Daise não aprendia por bloqueio (problemas com suas histórias pessoais) e portanto, passou o ano inteiro fazendo atividades livres, desenhos dela e da família, histórias e jogos. Para esta profissional Deise não escreveria textos porque “história para ela era coisa ruim” .
Ao final do ano estava ameaçada de ser reprovada mas a mãe conseguiu, invocando uma lei, que ela fizesse provas em março/96. Por esta razão estava sendo avaliada para ajudar a decidir se ela repetiria a 2ª série ou iria para a 3ª. Deise não queria fazer novos testes na escola com medo de ser reprovada.
Este é o relato de sua vida escolar feito em 2000:
Minha historia escolar
Quando tinha 6 anos, enterei na primeira sere, mesintir mal. Porque meus colegas sabião, ler e escrever e eu não. A profesora me pasou, fiquei felis mas não sabia ler nem escrever Sigundasere la foi rum rodei pela primeira ves e nova mente rodei soque ai fui para outro colejio chamado … fis CI uma clase especia para otipo de problema que eu tina e otros tipos de problemas mas o meu era deslequicia. Do CI pasei para a terseira sere gostei de fazer a terceira sere. Depoi a quarta sere e umpoco mas complicado a materia mas foi bom tambem porque quando tinha duvidas perguntava e sempre me explicarão. Quinta sere foi bom cadaves aprendendo adorei terfeito a quinta sere Sesta sere Mais matérias mais coisas para aprender e cadaves mai gostado de aprender. Sai do … e fui para o …. fis supletivo pasei so que tive que prestar bastante a tensão porque estava fasendo na metade do ano dua seres setima e oitava. Pasei para a escola …. e fis na outra metade o primeiro ano do sigundo grau. E agora estou terminando a outra metade do segundo grau foi bom terpasado portodas as seres e espero continua gostando e apredendo cadaves mais.
Observação: Foram omitidos os nomes das escolas freqüentadas por Deise
O trabalho psicopedagógico com Daise foi o seguinte:
A) a família e Deise foram informadas do quadro diagnóstico. Freqüentemente é importante para o disléxico saber o porquê de suas dificuldades. Devemos usar o “rótulo” dislexia somente quando isto vai em benefício do paciente. Não se deve ter pressa em classificar mas, sim, em intervir. Para Deise parece ter sido importante pois ela disse para a professora: “Graças a Deus descobriram o que eu tenho: Dislexia”.
B) foi indicada troca para uma escola que lida muito bem com a inclusão onde ela cursou uma classe intermediária. A escola foi orientada na manejo das dificuldades de Deise:
  • Não pretender que alcance um nível leitor igual aos dos outros colegas;
  • Valorizar sempre os trabalhos pelo seu conteúdo e não pelos erros de escrita.
  • Sempre que possível, realizar avaliações oralmente.
  • Destacar os aspectos positivos em seus trabalhos.
  • Diminuir os deveres de casa, envolvendo leitura e escrita;
C) A psicopedagoga trabalhou um ano com as habilidades nucleares da leitura: reconhecimento de palavras e compreensão. Partiu de um trabalho com consciência fonológica necessário para a reconstituição do sistema de correspondência fonologia/ortografia, visando maior precisão e rapidez na decodificação. Buscou ampliar o vocabulário visual-gráfico e, paralelamente, realizou leitura conjunta. Ao final do ano fez uma reavaliação psicopedagógica, cujos resultados referentes à ortografia, estão expressos no anexo 1. Nesta tabela também aparecem reavaliações feitas posteriormente, em que se constata um progresso na escrita ortográfica. Ao mesmo tempo, contudo, foi observada uma persistência destas dificuldades, o que é característica do disléxico.
D) No ano seguinte foi indicado trabalho com Amiga Pedagógica Qualificada que fazia atendimento domiciliar. Este profissional é um professor orientado por psicopedagogo (atualmente psicopedagogos estão fazendo este trabalho) que trabalha sob a supervisão dos profissionais que atendem o caso. Auxilia nos temas de casa, realiza atividades específicas de leitura e escrita, buscando facilitar sua vida escolar.
E) Em quase todos os anos subseqüentes, Deise foi reavaliada para determinar prioridades de atendimento e orientação às escolas. Neste sentido fez:
  • avaliação e tratamento ortóptico (para facilitar a amplitude de convergência);
  • avaliação e tratamento otorrinolaringológico em função de resfriados freqüentes que interferiam na escrita da nasalidade;
  • avaliação e tratamento emocional no início da adolescência;
  •  avaliação do processamento auditivo (fará no corrente ano).
O trabalho com a escola deve ser continuado. Os professores necessitam de ajuda para usar estratégias especiais para os disléxicos sem que isso implique em “favorecimento” de qualquer ordem. É verdade que estamos longe de um ideal de proposta de intervenção escolar. Somente ir nas escolas e fazer prescrições tem se mostrado insuficiente. Como refere Sanchez, 2003, temos que aliar às propostas prescritivas às descritivas. Necessitamos idéias e conhecimentos que orientem as ações, isto é, prescrições, mas também descrições do que realmente se faz e se quer fazer. Segundo o autor se queremos que ocorram mudanças e inovações a investigação deve cumprir os seguintes requisitos: 
  • apresentar argumentos que justifiquem uma inovação (no caso uma nova abordagem no caso de alunos disléxicos)
  • encontrar evidências que justifiquem esta inovação
  • descrever as práticas realizadas habitualmente
  • descrever as dificuldades experimentadas pelos professores que querem a mudança. Faltam investigações mais científicas e racionais sobre a dislexia, baseadas em métodos de avaliação e tratamento mais vigorosos.
Neste sentido, estamos empenhadas em reavaliar os disléxicos que atendemos desde 1969 e verificar se as dificuldades nas operações nucleares relacionadas à leitura e escrita se mantém ao longo dos anos. De 20 casos selecionados, já revimos quatro. Ainda é cedo para apontar tendências. Estamos apenas iniciando um caminho para auxiliar pessoas como Deise a continuar “gostando e apredendo cadaves mais.”

BIBLIOGRAFIA
BRUCK, Margie, Word-recognition and spelling of dislexic children. Reading Reasearch Quarterly, 23(1), 51-69, 1990.
RUEDA, Mercedes: La lectura: adquisición, dificultades e intervención, Salamanca: Amaru, 1995.
SANCHEZ, Emilio. A Aprendizagem da leitura e seus problemas. In COLL, PALACIOS, MARCHESI (Org). Desenvolvimento Psicológico e Educação. Porto Alegre, Artes Médicas: 1995.
SANCHEZ, Emilio. Estratégias de Intervenção nos problemas de leitura – in COLL, PALACIOS, MARCHESI (Org). Desenvolvimento Psicológico e Educação. Porto Alegre, Artes Médicas, 1995 .
SANCHEZ, Emilio y MARTIN, Jesus. As dificuldades na aprendizagem da leitura. In: BELTRAN, SANTIUSTE. Dificultades de Aprendizaje. Madrid, Sintesis, 1997.
SANCHEZ, Emilio. El lenguaje escrito y sus dificultades: una visión integradora. In: MARCHESI, COLL y PALACIOS. Desarollo humano y Educación. Madrid, Allianza,1999.
SANCHEZ, Emilio. Realmente somos conscientes de lo que supone alfabetizar a toda la población? Textos de Didáctica de la Lengua y de la Literatura. 33, p.62-77, abril de 2003.

Todos os direitos reservados para Fonoaudióloga e psicopedagoga Sônia Maria Pallaoro Moojen

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