– Compreendendo o Atendimento Educacional Especializado (AEE)
A.1- O que é o Atendimento Educacional Especializado?
Por muito tempo a Educação Especial organizou seus serviços de forma substitutiva ao ensino comum, ou seja, atuou como um sistema paralelo de ensino. A atual Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, de janeiro de 2008, reafirma o direito de todos os alunos à educação no ensino regular, recebendo, quando necessário, o Atendimento Educacional Especializado.
No final da década de 80, surge o movimento de inclusão, tendo como base o princípio de igualdade de oportunidades nos sistemas sociais, incluindo a instituição escolar. Esse movimento mundial tem como preceitos o direito de todos os alunos frequentarem a escola regular e a valorização da diversidade, de forma que as diferenças passem a ser parte do estatuto da instituição e todas as formas de construção de aprendizagem sejam consideradas no espaço escolar.
Tratando-se de documentos legais, a Constituição Federal de 1988 assegura o princípio de igualdade, garantindo, em seu Artigo 206, Inciso I, que “o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Outros documentos nacionais e internacionais asseguram também o princípio de igualdade e o direito de as pessoas com necessidades educacionais especiais frequentarem o ensino regular. Na Unidade B deste módulo, trataremos dos marcos legais nacionais e internacionais relevantes para compreendermos o conceito de Atendimento Educacional Especializado.
A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, define a Educação Especial da seguinte forma:
A educação especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem comum do ensino regular (Secretaria de Educação Especial, 2008, p.15).
Esse fragmento do texto da Política Nacional evidencia alguns pontos que devem ser destacados. O primeiro deles é que a Educação Especial é uma modalidade de ensino e não um sistema substitutivo de ensino. Portanto, a Educação Especial não deve ser substitutiva ao ensino regular e, sim, complementar e/ou suplementar. Sendo oferecida de forma substitutiva, ela é incompatível com o princípio de igualdade referido acima, porém, sendo ofertada de forma complementar e/ou suplementar, a educação especial não impede que o aluno frequente o ensino regular. Em termos mais simples, quer dizer que não deve haver sistemas paralelos de ensino especial, como, por exemplo, escolas especiais com séries ou anos funcionando conforme o ensino regular, mas se destinando exclusivamente ao ensino de alunos com necessidades educacionais especiais.
Outro ponto que merece destaque é a transversalidade da Educação Especial. Quando o texto nos diz que essa modalidade de ensino perpassa os demais níveis, ele está evidenciando a transversalidade. Dessa forma, a educação especial atua de forma complementar ou suplementar ao sistema regular de ensino, tanto na Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) quanto no Ensino Superior. Essa transversalidade pode ser representada pela figura abaixo:
Por fim, podemos destacar como ponto relevante do fragmento acima que a Educação Especial é a modalidade de ensino que realiza o Atendimento Educacional Especializado (AEE). Antes de tratarmos especificamente do AEE, pensamos ser importante saber quais alunos são público da Educação Especial e, portanto, têm direito a receber o atendimento complementar e/ou suplementar.
Quem é o público-alvo do Atendimento Educacional Especializado?
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (de janeiro de 2008), afirma que a Educação Especial deve oferecer o Atendimento Educacional Especializado às necessidades educacionais especiais dos alunos com: deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
Nas Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, instituídas com base na Constituição Federal de 1988; na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de janeiro de 2008; no Decreto Legislativo nº 186 de julho de 2008 e no Decreto nº 6.571 de 18 de setembro de 2008, que
dispõe sobre o AEE, consta o seguinte acerca do público-alvo desse atendimento1:
1- Alunos com Deficiência: “aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (p.2). Portanto, são os alunos com deficiência mental, deficiência física, surdez, deficiência auditiva, cegueira, baixa visão, surdocegueira ou deficiência múltipla.
2- Alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento: “aqueles que apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos em outra especificação” (p.2).
3- Alunos com altas habilidades/superdotação: “aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotora, artes e criatividade” (p.2).
Podemos perceber através dessas definições que as políticas nacionais de Educação Especial deixam claro quais alunos serão atendidos por essa modalidade de ensino.
Agora que já sabemos quem são os alunos público-alvo da educação especial podemos adentrar no conceito de Atendimento Educacional Especializado.
Como a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva define o conceito de AEE?
A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva define o Atendimento Educacional Especializado:
O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela (Secretaria de Educação Especial, 2008, p.15).
Com base nessa definição, podemos perceber que o AEE é o atendimento oferecido aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação, de forma complementar e/ou suplementar ao ensino regular, considerando as necessidades desses alunos. Então, o professor do AEE, dependendo da necessidade de seu aluno, irá organizar atividades e recursos pedagógicos e de acessibilidade a fim de facilitar o processo de construção de aprendizagem do sujeito É importante salientar, ainda, que as atividades oferecidas pelo AEE não se configura como reforço escolar, uma vez que se diferencia daquelas realizadas na sala de aula do ensino comum, como refere a citação acima. O professor deverá de forma criativa e inovadora buscar atividades e recursos que estimulem o aprendizado do aluno naquelas áreas em que ele encontra maiores dificuldades.
Para compreendermos o que são as atividades e recursos do AEE trazemos alguns exemplos:
- Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS: “é uma língua visual-espacial articulada através das mãos, das expressões faciais e do corpo. É uma língua natural usada pela comunidade surda brasileira” (QUADROS, 2007, p.19);
- Código Braille: “código ou meio de leitura e escrita das pessoas cegas. Baseia-se na combinação de 63 pontos que representam as letras do alfabeto, os números e outros símbolos gráficos” (SÁ; CAMPOS; SILVA, 2007, p.22);
- Comunicação aumentativa/alternativa: é “um conjunto de procedimentos técnicos e metodológicos direcionado a pessoas acometidas por alguma doença, deficiência ou alguma outra situação momentânea que impede a comunicação com as demais pessoas por meio dos recursos usualmente utilizados, mais especificamente a fala”. É bom lembrar que a comunicação aumentativa/alternativa não substitui a fala, mas contribui para que a comunicação ocorra (MANZINI; DELIBERATO, 2006, p.4);
- Ensino da língua portuguesa para surdos: a língua portuguesa (leitura e escrita) é a segunda língua para os surdos, sendo que a Língua Brasileira de Sinais é a primeira língua;
- Uso do sorobã: “instrumento utilizado para trabalhar cálculos e operações matemáticas; espécie de ábaco que contém cinco contas em cada eixo e borracha compressora para deixar as contas fixas” (SÁ; CAMPOS; SILVA, 2007, p.22);
-Enriquecimento curricular;
- Produção e adaptação de materiais didáticos e pedagógicos;
- Atividades da vida autônoma.
Esses são alguns exemplos de atividades/recursos que podem ser utilizados no AEE. Evidentemente, o trabalho do professor dependerá da necessidade de seu aluno, conforme dito anteriormente. O professor terá que pensar, caso a caso, qual a melhor forma de trabalhar com o aluno, quais os recursos a serem utilizados para que a construção de sua aprendizagem seja levada a termo. Isso se revelará na singularidade de cada sujeito, no estilo de cognitivo de cada aluno2. O importante é o investimento que deve haver tanto do professor do AEE quanto do professor do ensino regular, apostando que todos aprendemos, independentemente das incapacidades que possamos supostamente possuir. Portanto, todos os alunos aprendem, e o professor disponibilizará recursos e estratégias pedagógicas para que seu aprendizado seja facilitado.
A fim de clarificar em que consiste o AEE, nós nos reportaremos aos objetivos desse atendimento que constam no Artigo 2º do Decreto 6.571 de 17 de setembro de 2008:
I- prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular aos alunos referidos no Artigo 1º3;
II- garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular;
III- fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendizagem; e
IV- assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis de ensino.
Considerando os princípios até aqui apresentados de que o AEE é complementar e/ou suplementar ao ensino regular e que é, em sua essência, diferenciado desse último, uma vez que não se constitui como reforço escolar, apresentamos uma forma interessante de compreensão desse atendimento:
O Atendimento Educacional Especializado funciona nos moldes similares a outros cursos que complementam os conhecimentos adquiridos nos níveis de ensino básico e
superior, como é o caso dos cursos de línguas, artes, informática e outros. Portanto, esse Atendimento não substitui a escola comum para pessoas em idade de acesso obrigatório ao Ensino Fundamental (dos 7 aos 14 anos) e será preferencialmente oferecido nas escolas comuns do ensino regular. Diferente de outros cursos livres, o Atendimento Educacional Especializado é tão importante que é garantido na Constituição Federal (FÁVERO; PANTOJA; MANTOAN, 2007, p.27).
Dessa forma, o AEE, segundo a ilustração das autoras acima, é complementar, no entanto, é tão importante que, diferentemente de outros cursos complementares, é garantido por lei.
É significativo salientarmos aqui que o AEE é garantido por lei, porém ele não é obrigatório. Não sendo obrigatório, o aluno com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação e sua família poderão optar ou não pelo atendimento. Portanto, o AEE não deve ser “adotado de forma obrigatória ou como condição para o acesso ao ensino comum” (FÁVERO, 2007, p. 20).
O Atendimento Educacional Especializado deve ser oferecido no turno inverso ao do ensino regular para que o aluno não tenha dificultado ou impedido seu acesso ao ensino comum. Esse atendimento deve ser realizado, preferencialmente, na Sala de Recursos Multifuncionais da própria escola ou, caso a escola não tenha a sala e o professor especializado em AEE, pode ser realizado em outra escola do ensino regular ou, ainda, em Centros Educacionais Especializados. Esses centros deverão oferecer o AEE e proporcionar ações para o pleno desenvolvimento das potencialidades sociais, afetivas e intelectuais dos educandos, valorizando e respeitando a diversidade no contexto da educação inclusiva. As escolas especiais, por exemplo, podem se transformar em centros de atendimento educacional especializados. Conforme Mantoan (2008) as escolas especiais deverão redimensionar seu trabalho uma vez que o ensino especial não é mais substitutivo do ensino regular. Afirma a autora:
Esses novos rumos podem levar essas escolas a se transformarem em centros de atendimento educacional especializado – AEE. Essa transformação, no entanto terá caráter temporário, provisório, porque a tendência é alocar, gradativamente, o AEE nas escolas comuns, como é prescrito nos textos legais referentes à educação em geral e à educação especial (p.29).
É importante que o AEE esteja articulado com as propostas pedagógicas do ensino comum, tendo em vista a relevância desse atendimento que atua de forma complementar e/ou suplementar ao ensino regular. Dessa forma, o AEE deve constar no Projeto Político Pedagógico da escola, sendo uma ação de toda a comunidade escolar e não uma ação isolada do professor especializado. É sempre bom salientar a importância da articulação do trabalho do professor do ensino regular e do professor do AEE, tendo em vista que ambos trabalham com o mesmo aluno.
Com base nos pressupostos apresentados, é interessante observarmos como se dará a organização do AEE. As Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o Atendimento Educacional Especializado – AEE (2008) na Educação Básica discorrem acerca dessa organização:
a. Sala de recursos multifuncional: espaço físico, mobiliários, materiais didáticos, recursos pedagógicos e de acessibilidade e equipamentos específicos;
b. Matrícula dos alunos no AEE: condicionada à matrícula no ensino regular da própria escola ou de outra escola;
c. Plano do AEE: identificação das necessidades educacionais específicas dos alunos, definição dos recursos necessários e das atividades a serem desenvolvidas, cronograma de atendimento dos alunos;
d. Professor para o exercício do AEE;
e. Profissionais da educação: tradutor e intérprete da Língua Brasileira de Sinais, guia-intérprete e outros que atuam no apoio às atividades de alimentação, higiene e locomoção;
f. Articulação entre professores do AEE e os do ensino comum;
g. Redes de apoio: no âmbito da atuação intersetorial, da formação docente, do acesso a recursos, serviços e equipamentos, entre outros que contribuam para a realização do AEE.
Dessa forma, no que se refere à organização do Atendimento Educacional Especializado na escola, esse atendimento deverá ser oferecido na Sala de Recursos Multifuncionais (trataremos sobre essa sala no item A.2) que é o espaço físico com recursos e materiais onde o professor do AEE trabalhará com alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Esses alunos devem estar matriculados no ensino regular da escola ou de outra escola regular, frequentando o AEE em turno inverso.
A escola deverá ter um plano de AEE para a identificação das necessidades educacionais especiais dos alunos e para a definição dos recursos e atividades que serão desenvolvidas tendo em vista as especificidades dos alunos. Além do professor do AEE, a escola também poderá contar com outros profissionais da educação como, por exemplo, um tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais para alunos com surdez ou um profissional que auxilie os alunos que necessitem na alimentação, higiene e locomoção.
Por fim, podemos enfatizar, em relação à organização do AEE, a importância das redes de apoio:
• a importância da articulação entre o professor do ensino regular e do Atendimento Educacional Especializado, uma vez que o professor do AEE, além de trabalhar com o aluno na sala de recursos, dará o apoio necessário ao professor do ensino regular que possui em sua sala um aluno incluído.
• as parcerias que a escola pode buscar para a realização do AEE. Parcerias com a Secretaria de Educação, Secretaria da Saúde que apoiem o trabalho da escola. Esse apoio poderá se dar através de palestras, assessorias ou cursos, para formação docente, considerando as demandas da escola. Com relação às parcerias, gostaríamos de enfatizar que o professor é parte atuante da equipe interdisciplinar, de forma que, além de receber apoio, esse profissional oferecerá subsídios acerca da prática pedagógica com base em seus saberes a respeito da aprendizagem e da realidade escolar.
• buscar recursos e serviços necessários para garantir a qualidade de ensino para os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
Depois de discorrermos acerca da organização do AEE, pensamos ser importante tratar do financiamento desse atendimento.
De acordo com as Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o Atendimento Educacional Especializado – AEE na Educação Básica, os alunos público-alvo da educação especial que estiverem matriculados no ensino regular e matriculados também no Atendimento Educacional Especializado serão contados duplamente no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, ou seja, receberão os recursos em dobro, tendo em vista as duas matrículas. Esses recursos serão distribuídos de acordo com os registros no Censo Escolar MEC/INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) do ano anterior. Assim, um aluno com deficiência mental, por exemplo, que estiver registrado no Censo Escolar com matrícula no ensino regular e também no atendimento educacional especializado, é contabilizado duplamente no FUNDEB no ano seguinte.
Para maiores informações sobre o FUNDEB acesse: http://www.fnde.gov.br/home/index.jsp?arquivo=fundeb.html
Por fim, que formação o professor do AEE deve possuir? Quais suas atribuições?
De acordo com as Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o Atendimento Educacional Especializado – AEE na Educação Básica, para o
professor atuar no AEE, ele “deve ter formação inicial que o habilite para o exercício da docência e formação específica na educação especial, inicial ou continuada” (p.4).
As diretrizes estabelecem, ainda, as atribuições do professor do AEE. Esse professor deve organizar o Atendimento Educacional Especializado na Sala de Recursos Multifuncionais, estabelecendo o tipo e o número de atendimentos e também os recursos pedagógicos e de acessibilidade que serão utilizados de acordo com as necessidades educacionais especiais dos alunos. Para isso o professor deverá elaborar e realizar o Plano do AEE, citado anteriormente (quando tratamos da organização do AEE), sempre considerando a sua realidade escolar e os alunos atendidos pela Educação Especial.
Além de organizar o atendimento na Sala de Recursos Multifuncionais, o professor deverá orientar os demais colegas do ensino regular que trabalham com os alunos que frequentam o AEE. Deverá também nortear e acompanhar os recursos pedagógicos e de acessibilidade utilizados pelo aluno nos demais espaços escolares. Evidencia-se aqui um ponto tratado anteriormente que é a articulação do professor do AEE com os professores do ensino regular.
No contexto do AEE, cabe ao professor ensinar e também utilizar os recursos de Tecnologia Assistiva (TA). As Tecnologias Assistivas “são recursos desenvolvidos e disponibilizados às pessoas com deficiência e que visam a ampliar suas habilidades no desempenho das funções pretendidas” (BERSCH; PELOSI, 2007, p. 8). São recursos que visam à autonomia e à independência funcional de seus usuários. Dentre esses podemos citar: a comunicação alternativa e aumentativa, sorobã, recursos ópticos e não ópticos, códigos e linguagens, etc.
Finalmente, o professor do AEE deve formar parcerias com as áreas intersetoriais e promover a articulação com os serviços da saúde, assistência social, etc., buscando na interdisciplinaridade do trabalho desenvolvido o apoio necessário para pensar o trabalho educativo.
Em seu trabalho, o professor do AEE fará a avaliação pedagógica dos alunos para estabelecer as estratégias e os recursos mais apropriados para
cada caso, tendo em vista a necessidade específica de cada sujeito. Um aspecto importante a ser considerado na avaliação do professor e que vai além das questões relativas à aprendizagem, é a história familiar e escolar do aluno. É necessário que o professor colete dados sobre a vida desse aluno através de entrevistas familiares, buscando o máximo de informações sobre ele, enfatizando os progressos escolares, seus relacionamentos na esfera social e sua circulação na dinâmica familiar. A história escolar desse aluno poderá ser pesquisada através dos registros no histórico escolar, pareceres pedagógicos e também em conversas, quando possível, com os professores anteriores e o atual do aluno. Vale lembrar, que com relação à organização do universo escolar do aluno, a evolução de suas competências e conhecimentos deverá ter destaque. É importante, também, que o professor entre em contato com outros profissionais, como psicólogo, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, quando o aluno tiver esses atendimentos.
É através da avaliação da aprendizagem, da história familiar; da história escolar e da interlocução com outros profissionais que atendem o aluno que o professor do AEE verificará aquilo que ele já construiu em termos de aprendizado em todas essas esferas. Após, o professor direcionará seu trabalho na Sala de Recursos Multifuncionais, oferecendo o apoio necessário à família e aos professores do ensino regular. É um trabalho pautado na capacidade de aprender do aluno, tirando o foco de atenção de suas supostas e tantas vezes imaginárias impossibilidades, enfatizando sempre suas condições de acesso à aprendizagem.
Esse olhar diferenciado sobre o aluno, vendo-o como sujeito capaz de aprender e com singularidades é fundamental. Afinal, só poderemos investir na aprendizagem de um sujeito quando acreditarmos nas suas potencialidades, desejando que essas aflorem e se tornem aliadas desse sujeito na busca de um estilo próprio para estar no mundo. Esse olhar possibilita ao aluno sair de um possível lugar de não saber para um lugar de sujeito em processo de aprendizagem, tanto na vida quanto na escola.
Tendo em vista esse outro lugar que o sujeito poderá ocupar, exemplificaremos a seguir o caso de um aluno que, com 12 anos, na 2ª série, ainda não lê nem escreve. Esse exemplo evidencia que a escola muitas vezes dá tanta ênfase à aquisição da escrita que os professores acabam reduzindo a enorme capacidade de aprender dos alunos às habilidades de ler e escrever.
Fernando4, um aluno com diagnóstico de deficiência mental, reprovado inúmeras vezes e um aluno do qual a professora havia “desistido”, apresentava uma expressão de cansaço quando se tratava de atividades que envolviam a escrita. Seu desconforto era tanto que a realização das atividades era acompanhada de profundos suspiros. Na sala de aula ele sentava na última classe e lá permanecia sem participar de praticamente nenhuma atividade, exceto as que envolviam desenho. Seu nome não aparecia sequer na lista de orações que os alunos realizavam, um a cada dia, para dar início à aula. Os nomes constavam em ordem alfabética e Fernando, com sua dificuldade na fala e na aprendizagem, foi excluído da lista.
O que fazia com que Fernando ainda fosse para a escola? Supomos que não há outra explicação senão o desejo de aprender.
Frequentando a Sala de Recursos Multifuncionais, um olhar diferente e uma aposta foram endereçados a Fernando pelo professor do AEE. Dizia a professora: “Fernando gosta mesmo é de matemática! Então, porque não valorizar sua facilidade com os números?” Trabalharam-se histórias matemáticas e atividades com cálculos. O trabalho com a multiplicação teve início e a calculadora foi introduzida. Os progressos foram visíveis e Fernando foi aprovado para a 3ª série. Fernando agora frequenta o ensino regular, tem uma aparência feliz e se expressa de forma mais compreensível, passando a se interessar pela leitura e descoberta dos enigmas das histórias matemáticas.
Nesse breve relato de caso foi possível visualizar melhor a dimensão e a relevância do trabalho do professor do AEE quando este consegue dar um lugar
de sujeito para o aluno, independentemente das suas dificuldades. Para isso, é necessário que um investimento seja feito, a fim de que o aluno, percebendo o desejo do professor com relação às suas questões, possa voltar a se interessar pelo aprendizado e pelo universo da escola.
Resumindo...
- O AEE não é substitutivo do ensino regular e, sim, complementar e/ou suplementar;
- O AEE destina-se a alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação;
- O AEE deve ser oferecido preferencialmente na mesma escola em que o aluno frequenta o ensino regular, em turno inverso para não dificultar ou impossibilitar a frequência à sala de aula comum;
- O AEE deve constar no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola de ensino regular. O PPP deverá refletir a pluralidade de ações que envolvem o ato educativo em que TODOS são capazes de aprender, embora com ritmos e estilos de aprendizagem diferentes.
A.2- A Sala de Recursos Multifuncionais
O Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008, define a Sala de Recursos Multifuncionais no Artigo 3º, Parágrafo 1º: “As salas de recursos multifuncionais são ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e pedagógicos para a oferta do atendimento educacional especializado”. Portanto, a Sala de Recursos Multifuncional é o espaço físico da escola onde será ofertado o Atendimento Educacional Especializado.
A denominação Sala de Recursos Multifuncionais se deve ao fato de esse espaço destinar-se a diferentes necessidades educacionais especiais. Dessa forma, a sala de recursos dispõe de materiais pedagógicos e equipamentos que visam complementar e/ou suplementar o ensino regular de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, facilitando a aprendizagem desses sujeitos.
O professor do AEE utilizará esse espaço para trabalhar em turno inverso ao do ensino regular de acordo com a necessidade específica de cada aluno. No trabalho com um aluno com paralisia cerebral com comprometimento na fala e motor, por exemplo, poderá ser trabalhada a comunicação aumentativa e alternativa e o professor estabelecerá quais adaptações serão necessárias para que esse aluno possa construir seu aprendizado. Evidentemente, essa é apenas uma ilustração, pois nem todos os alunos com paralisia cerebral precisarão dessas adaptações e recursos citados. O professor, conhecendo os recursos pedagógicos e de acessibilidade, pensará caso a caso quais estratégias utilizará.
A sala de recursos é um espaço também de avaliação pedagógica, de forma que o professor do AEE avalia quais as possibilidades desse aluno e quais os recursos a serem utilizados, caso o aluno precise do Atendimento Educacional Especializado. O atendimento será organizado na Sala de Recursos Multifuncionais de acordo com o planejamento do professor que organizará o cronograma de atendimentos. Esses atendimentos podem ser individuais ou em pequenos grupos, dependendo dos objetivos do trabalho. Há alunos que se beneficiarão de um trabalho mais individualizado em razão das suas dificuldades; outros poderão trabalhar em grupo e com isso socializar a aprendizagem.
Para concluir o item acerca da Sala de Recursos Multifuncionais, queremos destacar a importância desse espaço de AEE, uma vez que essa oferta de trabalho é algo que vai além de uma garantia de acesso à escola dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. O AEE poderá ser um lugar onde esse aluno falará de si e das suas especificidades enquanto sujeito em constante processo de aprendizagem.
Programa de Implantação de Sala de Recursos Multifuncionais: é um programa do Ministério da Educação (MEC) que apoia a implantação da Sala de Recursos Multifuncionais com equipamentos, mobiliários e materiais didático-pedagógicos e de acessibilidade para atender às necessidades educacionais especiais de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Essas salas são destinadas a escolas das redes estaduais e municipais em que haja esses alunos registrados no Censo Escolar MEC/INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). A Secretaria de Educação Especial (SEESP) destina as Sala de Recursos Multifuncionais de acordo com as demandas apresentadas pelas secretarias de educação em cada Plano de Ações Articuladas (PAR). Maiores informações sobre essas questões, acesse o site: www.mec.gov.br.
UNIDADE B – Marcos Legais
Esta Unidade tem como objetivo delinear a forma como as políticas públicas foram sendo pensadas e construídas em direção à educação inclusiva. Para tanto, trataremos de marcos legais nacionais e também internacionais que asseguram o direito de igualdade, garantindo que todos os alunos devem frequentar o sistema regular de ensino.
É importante conhecermos esses marcos legais para compreendermos melhor a atual Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva que afirma ser a Educação Especial a responsável pela oferta do Atendimento Educacional Especializado, tema deste módulo.
Iniciaremos pela Constituição Federal de 1988 que assegura o princípio de igualdade. Em seguida, discorreremos acerca dos seguintes documentos internacionais: Declaração Mundial de Educação para Todos e a Declaração de Salamanca. Após, trataremos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDBEN). Também falaremos da Convenção de Guatemala e da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Para concluir, abordaremos a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva de janeiro de 2008, o Decreto nº 186 de Julho de 2008, o Decreto nº 6.571 de 17 de Setembro de 2008 e as Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o Atendimento Educacional Especializado – AEE na Educação Básica.
B.1 - A Constituição Federal (1988)
A Constituição Federal (CF) de 1988 assegura que é objetivo da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Artigo 3º, Inciso IV). Em seu Artigo 5º, a Constituição garante o princípio de igualdade:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...).
Além disso, a CF garante em seu Artigo 205 que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família. Em seguida, no Artigo 206, estabelece a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. O Atendimento Educacional Especializado, oferecido preferencialmente na rede regular de ensino, também é garantido na CF (Artigo 208, Inciso III).
Portanto, a Constituição Federal garante a todos os alunos a frequencia no ensino regular, com base no princípio de igualdade, assegurando ainda o direito ao Atendimento Educacional Especializado. Assim, todo aluno tem direito de estar matriculado no ensino regular e a escola tem o dever de matricular todos os alunos, não devendo discriminar qualquer pessoa em razão de uma deficiência ou sob outro pretexto.
B.2 - A Declaração Mundial de Educação para Todos – 1990
A Declaração Mundial de Educação para Todos foi aprovada em Jomtien, Tailândia, em 1990. Essa declaração tem como objetivo garantir o atendimento às necessidades básicas da aprendizagem de todas as crianças, jovens e adultos.
Em seu Artigo 3º a Declaração trata da universalização do acesso à educação e do princípio de equidade. Especificamente em relação à educação dos alunos com deficiência, o documento diz:
As necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de deficiências requerem atenção especial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo (p.4).
Assim, essa Declaração afirma o direito de todas as pessoas à educação, assegurando a igualdade de acesso às pessoas com deficiência.
B.3 - A Declaração de Salamanca - 1994
A Declaração de Salamanca trata dos “Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais”, sendo que, reafirmando o compromisso para com a Educação para Todos, reconhece a necessidade e a importância de oferecer educação de qualidade para todos os alunos com necessidades educacionais especiais no sistema de ensino regular.
O princípio orientador da estrutura de ação em Educação Especial dessa política é o de que as escolas:
deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Aquelas deveriam incluir crianças deficientes e super-dotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias lingüísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados. Tais condições geram uma variedade de diferentes desafios aos sistemas escolares. (...) Escolas devem buscar formas de educar tais crianças bem-sucedidamente, incluindo aquelas que possuam desvantagens severas. Existe um consenso emergente de que crianças e jovens com necessidades educacionais especiais devam ser incluídas em arranjos educacionais feitos para a maioria das crianças. Isto levou ao conceito de escola inclusiva.
Conforme podemos perceber, a Declaração de Salamanca, evidencia no princípio orientador o desafio da educação inclusiva lançado às escolas, no intuito de que devem acolher e ensinar a todos os alunos.
Apresentamos abaixo mais um fragmento dessa Declaração, fragmento esse que trata da educação inclusiva e da diversidade:
• toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem,
• toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas,
• sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades,
• aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades,
• escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional.
Esse fragmento afirma o direito de toda criança à educação no ensino regular e pontua uma questão que consideramos fundamental na perspectiva da educação inclusiva: todo aluno “possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas”. Trata-se do estilo de aprendizagem que é singular, é particular. A escola, com uma pedagogia centrada na criança, como refere o documento, deve considerar e valorizar essa singularidade da aprendizagem, ou seja, o jeito de aprender de cada aluno como uma forma de esse sujeito se apresentar no espaço escolar.
Portanto, esse documento, assim como a Declaração Mundial de Educação para Todos, influenciou a elaboração de políticas públicas, visando à educação inclusiva.
B.4 - A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) – Lei 9.394 de 20 de Dezembro de 1996
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 20 de dezembro de 1996 define e regulamenta o sistema nacional de educação, sendo fundamentada nos princípios da Constituição Federal (1988).
Essa lei assegura em seu Artigo 4º, Inciso I, o “ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria”. Portanto, o direito à educação no ensino regular é assegurado a todos, sendo a frequencia ao ensino fundamental obrigatória.
No que tange à Educação Especial, é importante destacar que a LDBEN garante, em seu Artigo 59, que os sistemas de ensino assegurarão aos alunos com necessidades especiais:
I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades;
II - terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;
A LDBEN garante, ainda, a “possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado” (Artigo 24, Inciso V, “c”). Essa é mais uma premissa do documento ao reafirmar o direito de todos à educação, levando em conta a diversidade, uma vez que pontua questões relativas às necessidades educacionais especiais.
B.5 - Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (Convenção de Guatemala) – 2001
A Convenção da Guatemala foi promulgada no Brasil pelo Decreto nº 3.956, de 08 de outubro de 2001. Essa Convenção reafirma que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos das outras pessoas, assegurando o direito de não serem discriminadas em razão de sua deficiência. Com base nisso, é objetivo desse documento “prevenir e eliminar todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e propiciar a sua plena integração à sociedade” (Artigo 2 º).
No Artigo 1º (nº 2, “a”) a Convenção traz a definição do termo discriminação:
o termo "discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência" significa toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de eficiência, conseqüência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas
liberdades fundamentais.
Portanto, a discriminação é compreendida nesse documento como qualquer forma de diferenciação, restrição ou exclusão com base na deficiência.
A Convenção de Guatemala evidencia que as pessoas com deficiência não podem receber tratamento desigual, porém, se o ensino regular for substituído pelo ensino especial, teremos uma forma de tratamento diferenciado. Dessa forma, sendo o ensino fundamental obrigatório (conforme vimos na LDBEN, no item B.4), nenhum aluno pode ser privado desse direito em razão de uma deficiência. Mais uma vez fica claro que o Atendimento Educacional Especializado deve ser complementar e/ou suplementar ao ensino regular para
não ferirmos o disposto nessa Convenção (FÁVERO; PANTOJA; MANTOAN, 2007).
B.6 - Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – 2006
Essa Convenção foi aprovada pela Organização das Nações Unidas – ONU, no ano de 2006, sendo o Brasil signatário desse documento aprovado pelo Congresso Nacional através do Decreto Nº 186 de 09 de Julho de 2008.
O Artigo 24 dessa Convenção reconhece o direito à educação sem discriminação e com igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência. Nesse artigo consta, ainda, que os Estados Partes deverão assegurar que:
a. As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino fundamental gratuito e compulsório, sob a alegação de deficiência;
b. As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino fundamental inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem;
c. Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam providenciadas;
d. As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação; e
e. Efetivas medidas individualizadas de apoio sejam adotadas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, compatível com a meta de inclusão plena.
Esse documento assegura, portanto, o direito de todos os alunos frequentarem o ensino regular, não podendo haver discriminação em razão de alguma deficiência. Podemos perceber também que é garantido o direito ao apoio necessário para facilitar a aprendizagem do aluno com deficiência. Esse
apoio poderá ser oferecido pelo AEE, considerando as necessidades específicas dos alunos.
B.7 - A Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva - Janeiro de 2008
A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, de janeiro de 2008, estabelece que a Educação Especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis (Educação Básica e Ensino Superior) e realiza o Atendimento Educacional Especializado. Esse atendimento é complementar e/ou suplementar ao ensino regular, ou seja, não é substitutivo. Portanto, o aluno deve estar matriculado no ensino regular e receber Atendimento Educacional Especializado de acordo com suas necessidades educacionais específicas.
Esse documento define ainda quem são os alunos atendidos pela Educação Especial: alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
Tendo em vista esses pressupostos, é interessante destacarmos o objetivo da política:
(...) o acesso, a participação e a aprendizagem de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais especiais, garantindo:
• Transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação superior;
• Atendimento educacional especializado;
• Continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino;
• Formação dos professores para o Atendimento Educacional Especializado e demais profissionais da educação para a inclusão escolar;
• Participação da família e da comunidade;
• Acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e informação; e
• Articulação intersetorial na implementação das políticas públicas(Secretaria de Educação Especial, 2008, p.14).
Dessa forma, a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva reposiciona a Educação Especial, lançando à escola o desafio de questionar e se implicar no entendimento das diferentes formas de construção de aprendizagem que os alunos possam levar a termo.
B.8 - Decreto nº 186 – Julho de 2008
Esse Decreto aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo. Essa Convenção foi abordada no item B.6.
B.9 - Decreto nº 6.571 - 17 de Setembro de 2008
O Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008, dispõe sobre o Atendimento Educacional Especializado. Esse documento decreta que a União oferecerá apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino a fim de ampliar o AEE. Esse atendimento é definido no documento como sendo “o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular” (Artigo 1º, Parágrafo 1º). Além dessa definição, o decreto traz os objetivos e quais alunos serão atendidos pelo AEE ( alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação) .O decreto contempla também o que são as Salas de Recursos Multifuncionais,
Esse documento traz, ainda, as ações que serão realizadas pelo Ministério da Educação para o Atendimento Educacional Especializado. Dentre
essas ações estão a implantação de Salas de Recursos Multifuncionais, a formação de professores para o AEE, a formação de gestores e professores para a educação inclusiva, as adaptações arquitetônicas das escolas, a produção e distribuição de recursos para a acessibilidade.
B.10 - Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o Atendimento Educacional Especializado – AEE na Educação Básica - 2008
As Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o Atendimento Educacional Especializado – AEE na Educação Básica foram instituídas com base na Constituição Federal de 1988; na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação de janeiro de 2008; no Decreto Legislativo nº 186 de julho de 2008 e no Decreto nº 6.571 de 18 de setembro de 2008. Essas diretrizes discorrem sobre o Atendimento Educacional Especializado, sobre o público-alvo, a organização do AEE e sobre a formação e as atribuições do professor. Além disso, as diretrizes abordam a questão do financiamento, afirmando que os alunos público-alvo da educação especial, quando matriculados no ensino regular e no AEE, serão contabilizados duplamente no FUNDEB. Todas essas questões apontadas pelas Diretrizes foram discutidas na Unidade A, por isso não nos deteremos nelas aqui.
UNIDADE C – Educação Inclusiva: um olhar sobre a aprendizagem
Até o presente momento, tratamos dos objetivos e da organização do Atendimento Educacional Especializado. A partir dessa unidade nos deteremos um pouco sobre a questão da aprendizagem5 no espaço escolar, entendida muitas vezes, como peça fundamental para a permanência na escola de alunos com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/ superdotação, fundamental no sentido de que a apropriação do conhecimento pelo aluno poderá ser o passaporte para que este permaneça ou não na instituição. Afinal, a escola é o lugar instituído e legitimado para o desenvolvimento das capacidades cognitivas das crianças.
Podemos dizer que a escola, enquanto palco responsável pelo processo ensino-aprendizagem, constitui-se numa ferramenta que possibilitará a adoção de um jeito diferente de pensar o aluno que tem dificuldades ou que supostamente não aprende. O convite que fazemos aqui é para pensarmos nesse aluno como um sujeito que estrutura o conhecimento a partir de um tempo que lhe é particular, ancorado na rede tecida pelas diferenças e singularidades do cenário escolar.
A aprendizagem entendida como uma construção realizada pelo aluno é uma instância que merece ser problematizada, uma vez que a abrangência dos seus significados não se traduz num único sentido, mas num infindável universo de possibilidades. Você já pensou sobre a abrangência do conceito de aprendizagem? Afinal, o que é aprender? Como o aluno constrói o conhecimento?
Pensar o conceito de aprendizagem pelos ditames da Educação Inclusiva é pensar na possibilidade de conviver com a surpresa, com o inusitado expresso em cada gesto, cada olhar que o aluno nos dirige. É estar em constante criação de novos sentidos para o que Kupfer (1999) anteriormente chamou de estilos cognitivos de aprendizagem, ou seja, é poder ver cada aluno na forma particular
em que ele se apresenta no mundo da escola. É na vertente de tais idéias que a presente unidade nos inspira a pensar a questão da aprendizagem enquanto efeito de uma oferta para que o aluno com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/ superdotação, possa se dizer em toda a sua especificidade.
Retornando ao conceito de estilos cognitivos, esse nos remete à singular relação estabelecida pelo aluno com o conhecimento, é a forma como ele transita pelo campo do saber, ou seja, a forma como esse aluno se relaciona com os conteúdos, textos, atividades ofertadas pela escola. A concepção de estilos cognitivos nos faz refletir também sobre o modo como o aluno obtém o conhecimento, convidando-nos a considerar o estilo cognitivo como uma variável a ser considerada frente à criança que “não aprende”.
Para ilustrarmos o que vem sendo tratado até aqui, trazemos o relato de um trabalho desenvolvido com alunos com transtornos globais do desenvolvimento6, em uma escola do ensino regular de Santa Maria-RS.
Esse trabalho acontecia uma vez por semana, durante duas horas, em uma sala de aula da escola. Inicialmente pensávamos em propor um ateliê da escrita, onde pudéssemos trabalhar questões referentes à leitura e à produção de textos. Afinal, o significante escola remete ao significante escrita. Esse ateliê não se sustentou, não com este nome, pois o desejo dos alunos apontou para um outro lugar: o ateliê do conserto.
Para explicar o surgimento do ateliê do conserto utilizaremos o relato do primeiro dia de trabalho. Nesse dia somente o aluno Vagner compareceu. Quando chegamos à escola Vagner já estava lá. De repente uma aluna lhe entregou um carrinho de fórmula 1 e disse: “Te comporta porque se não eu vou te tomar de novo”. Vagner pegou o carro e imediatamente percebeu que havia quebrado uma peça: “Peraí, quebrou!”. Então, a aluna retirou a peça da mochila e entregou para ele. Vagner repetia insistentemente: “Quebrou tia, super-bonder cola né? Cola bem direitinho”. Esse foi o momento em que sugerimos o trabalho daquele dia: consertar o carro de Vagner. Sugestão aceita. Procuramos super-bonder ou cola quente no colégio e não encontramos. Então, fomos até um mercado próximo da escola para comprar a super-bonder, mas também não havia. Propomos consertar o carrinho com fita adesiva. Vagner aceitou e não só quis consertar a parte quebrada como colar fita adesiva em todo carrinho. Vagner era perfeito na colagem e nenhuma parte do brinquedo poderia ficar sem a fita, exceto a cabeça do piloto e os pneus para que estes continuassem rodando. Quando colamos uma fita próxima do pneu ele disse: “O pneu não né tia? O pneu não!”.
A partir desse primeiro encontro com Vagner estruturamos o restante do trabalho. Começamos a trabalhar com sucatas que se transformavam em helicópteros, carros de corrida e instrumentos musicais. Objetos continuaram sendo trazidos e consertados no ateliê.
No decorrer do trabalho do ateliê do conserto pudemos perceber:
- o desejo dos alunos em participarem do ateliê: no segundo dia os alunos já se dirigiram para o ateliê não precisando de convite. Segundo a professora da turma poderia haver resistência em deixarem a sala para se dirigirem ao ateliê, porém, isso não aconteceu.
- a mudança de posição dos pais com relação aos filhos: começaram a percebê-los como sujeitos com desejos próprios. Disse uma das mães: “Até conversando ele está!”
Através desse relato podemos perceber que foi dado a Vagner um lugar onde sua subjetividade e seu estilo de aprender puderam aparecer. Uma vez sendo oportunizado esse encontro o trabalho direcionou-se para produções que oportunizaram uma aprendizagem significativa ao aluno. Outras atividades foram sugeridas, inclusive um trabalho em conjunto com o pai de Vagner para que ambos pesquisassem na internet as partes principais de um carro de Fórmula 1.
Diante disso, é tarefa do professor, face à diversidade de estilos em sala de aula, ajudar o aluno com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/ superdotação, descobrir o seu jeito de lidar com o conhecimento, tendo sempre em mente que cada sujeito aprende de uma forma única e num tempo que é peculiar a cada estilo.
É importante ressaltar que o aluno aprende quando consegue captar o brilho no olho do mestre ao supor nele um sujeito desejante e capaz de aprender. O entusiasmo do aluno será resultante dos “aspectos subjetivos do ensinante, ou seja, como ele mesmo, sujeito que ensina, mas que também aprende, lida com o saber e o conhecer” (RUBINSTEIN, 2003, p. 136).
A busca pelo conhecimento é um processo que está o tempo todo sendo reinventado e ressignificado. É uma busca traduzida por algo que sempre escapa, por um conhecimento que é fugaz. É importante pensarmos que é na ausência deixada por isso que falta que o novo se evidencia, dando lugar à descoberta e à aprendizagem. É nesse universo de descobertas que encontramos o aluno com necessidades educacionais especiais, um sujeito que está em constantes mudanças e se constituindo na brecha deixada pelo professor quando este permite que ele apareça nas suas especificidades, na sua diferença. Pensando por esse viés, MRECH (1999, p. 28), é pontual ao se referir ao aluno com necessidades educacionais especiais, bem como à proposta da Educação Inclusiva:
é uma maneira nova da gente se ver , ver os outros e a Educação. De se aprender a conviver com as diferenças , as mudanças, com aquilo que está além das imagens. Uma maneira da gente apostar no outro.
Para concebermos a aprendizagem na perspectiva da Educação Inclusiva, teremos que rever a crença de um saber total sobre a forma como os alunos constroem o conhecimento; do contrário, não conseguiremos ver o sujeito que se coloca diante de nós, ou seja, um sujeito que possui falhas e está em constante busca de um lugar para falar de si e de seu saber que por vezes é incompleto. Nessa vertente poderemos pensar o trabalho do professor como sendo uma tarefa em constante criação, um saber pautado na singularidade dos alunos.
Outro aspecto a destacar quando falamos da aprendizagem de alunos com necessidades educacionais especiais são as representações construídas sobre o aluno que “não aprende”.
Representações são formas de pensamento, conceitos, idéias atribuídas às pessoas. Em se tratando dos alunos aqui em questão, pode-se dizer que as representações a eles atribuídas apontam, com frequência, na direção da incapacidade. Dessa forma, como diz GUARESCHI (2006), o aluno poderá colar-se à imagem daquele que não aprende, a fim de assegurar esse lugar no qual será reconhecido pelo professor. Essa antecipação de fracasso dificultará ou até mesmo impossibilitará a aprendizagem do aluno.
Na esteira das concepções sobre as representações sociais, KUPFER (2001, p. 75), lança uma importante questão ao falar sobre os direitos das crianças com necessidades educacionais especiais: “quem pode dizer como se desdobrarão dentro dos limites de um corpo que a Medicina pode apenas vislumbrar, as vicissitudes que marcarão um sujeito?” Transpondo essa idéia para o campo da educação e imaginando os nossos alunos na escola, poderemos perguntar: quem poderá dizer como se desdobrarão as vicissitudes na aprendizagem de um aluno com necessidades educacionais especiais?
Diante do que falamos até aqui, propõe-se que ao invés de pensar em limites, procure-se pensar em singularidades. A partir disso, seria possível considerar tais singularidades reveladas no processo de aprendizagem de cada aluno, buscando, através das suas potencialidades, enlaçá-lo no mundo da escola (ALVES, 2005). Assim, é possível oportunizar a consolidação das aprendizagens dos alunos pensando no caso a caso, trabalhando sempre, como diz LERNER (1997, p. 70), “com a suposição de que a criança é um sujeito, para além de sua sujeição às incapacidades que lhe sejam previstas”.
Para finalizar esse módulo, queremos deixar o convite para que pensemos no Atendimento Educacional Especializado como uma aposta, um desafio em direção a uma educação inclusiva. Para tanto, é importante que a escola exerça seu valor social e se implique de modo a buscar, juntamente com os recursos disponibilizados pelo Atendimento Educacional Especializado um
fazer pedagógico para lidar com os alunos que tem alguma dificuldade. Essa é uma forma dela se implicar no processo, certa de que encontrará alguns entraves, porém, ciente da sua responsabilidade
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BERSCH, R. de C. R.; PELOSI, M.B. Portal de ajudas técnicas para a educação: equipamento e material pedagógico especial para educação, capacitação e recreação da pessoa com deficiência física: tecnologia assistiva: recursos de acessibilidade ao computador. Brasília: ABPEE - MEC/SEESP, 2007.
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Fonte imagem: faccat.br
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